terça-feira, 27 de março de 2012

ANP salienta “a mais-valia que as ONG podem ter na consciencialização de uma cidadania global”



A Dra. Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores, responde às perguntas da AIDGLOBAL sobre a Revisão Curricular e à integração da Educação para a Cidadania nas escolas.



1. A Revisão da Estrutura Curricular propõe-se ajustar os conteúdos e matérias às necessidades de um ensino moderno, exigente, tendo em vista uma melhoria dos resultados escolares e uma gestão racional dos recursos. Acha que a proposta-base apresentada vai ao encontro desses propósitos?

Ainda é prematuro pronunciarmo-nos. Neste momento já não é uma proposta curricular, mas sim um documento publicado com contributos de Associações, Conselhos de Escolas e Conselho Nacional de Educação a entrar em vigor no ano letivo de 2012/2013.

A educação deve ser uma aposta decisiva para todo e qualquer governo. Este governo decidiu, e bem, preparar uma reforma curricular, alterando a carga horária das disciplinas consideradas estruturantes, centrando uma exigência significativa na aprendizagem.
O Ministério está a preparar um ensino de futuro, com a preocupação de fornecer as ferramentas adequadas, para os nossos jovens enfrentarem o futuro no mercado de trabalho.

Apesar do documento estar publicado, é ainda necessário uma clarificação de como vai ser feita a classificação final dos alunos do 4º ano.
Quanto à medida: "fomentar, no 1.º ciclo, a coadjuvação nas áreas das Expressões, por professores de outros ciclos do mesmo Agrupamento de Escolas, que pertençam aos grupos de recrutamento destas áreas”, consideramos vantajoso. Desde há muito tempo que no sistema educativo se fala de articulação entre níveis de ensino e de docentes, assim como de partilha de conhecimentos. Com esta reforma será possível colocar em curso essa articulação.
Esta revisão para além de ter em vista a melhoria dos resultados dos alunos, aposta na autonomia gradual das escolas, no profissionalismo e na liberdade dos professores relativamente aos métodos de ensino.


2. Uma das medidas visa a eliminação da área curricular não disciplinar de Formação Cívica, proposta com a qual nem a Associação Nacional de Professores, nem o Conselho Nacional de Educação concordam. Qual a sua opinião?

A área curricular não disciplinar de Formação Cívica nunca deveria ser eliminada. Congratulamo-nos com a decisão tomada pelo Ministério da Educação em ter tido em conta o parecer das associações científicas e da opinião pública. O Ministério alterou a designação da disciplina, passando de Formação Cívica para Educação para a Cidadania. Concordamos plenamente com esta designação. Torna-a mais abrangente e, como pretende o ME, mais transversal. Esta área curricular é apresentada na nova reforma curricular como “intenção educativa em todas as áreas curriculares, mas não como disciplina isolada obrigatória, e acentua-se o seu caráter transversal”. Apesar do ME assim o considerar, continuamos a referir que esta área não curricular é importante.
Deverá ser “dada” pelo diretor de turma com o objetivo claro de tratar relações humanas e sociais. Isto, porque é o diretor de turma que tem conhecimento global de todos os seus alunos/as, e que estabelece a articulação entre a escola, o órgão de gestão e os encarregados de educação. Esta área não disciplinar deverá ser um momento crucial de disponibilidade, partilha de problemas, causas individuais e ou coletivas da turma, ou seja, uma área comprometidamente associada à participação cívica acentuando o valor de liberdade e democracia.

3. O país vive um momento de instabilidade social e económica que se crê não ser breve. Que papel devem assumir as escolas/ professores, na promoção de uma cidadania ativa e responsável?
As escolas/professores devem assumir o papel de formadores de competências, de valores, de capacidades e de atitudes implicadas numa promoção responsável dos alunos como atores ativos e responsáveis na sociedade. A escola no seu dia-a-dia, na sua prática e função educativa no espaço escolar, deve desenvolver nos alunos o raciocínio moral e as atitudes democráticas preparando-os para uma intervenção ativa e responsável na sociedade civil. O que implicará consciencializá-los ao exercício de uma cidadania responsável, associada aos direitos e deveres das crianças/cidadãos. A escola deverá promover sempre a igualdade e dignidade humana.


4. No âmbito da Educação para a Cidadania Global, as linhas orientadoras da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento defendem a integração de temáticas, tais como a Interculturalidade, Água ou Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, no currículo escolar, sensibilizando os jovens para as assimetrias entre o Norte e o Sul. Qual a relevância desta medida no percurso educativo dos alunos?

A Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento no âmbito da Educação para a Cidadania Global, defende a integração das temáticas: Interculturalidade, a fim de mudar mentalidades, quebrar tabus, aceitar as culturas, fazer uma aculturação sem deixar de pertencer e valorizar as suas origens; A Água, como elemento vital para todos os seres vivos, uma consciencialização de recurso limitado e uma consciente utilização do mesmo a nível mundial; ou Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, porque é importante os nossos jovens terem a perceção que são parte integrante de uma cidadania global e que estão a percorrer um caminho para se tornarem cidadãos globalmente ativos com responsabilidades no tecido social. A Educação é vital para o desenvolvimento e sensibilização das temáticas propostas.
Cada vez mais a escola tem que estar interligada e despertar valores e competências nos jovens, de forma que as assimetrias sejam compreendidas, se esbatam, não criem fossos entre eles, e eles tenham dentro de si capacidades de compreenderem que na diferença somos iguais e que está em nós, em cada um, fazer parte da cidadania global, mas nunca descorando a especificidade cultural da realidade onde estão inseridos.

5. A AIDGLOBAL tem vindo a trabalhar, junto dos professores, na abordagem destas temáticas nas escolas, nomeadamente através do projeto “Educar para Cooperar” – Loures, que já vai na sua segunda edição. Como acha que as ONG e as escolas podem trabalhar, em parceria, na procura de uma cidadania global, crítica e responsável?

As escolas e as ONG podem e devem trabalhar em parceria, sem sobreposição de papéis, numa congregação de vontades, no apoio e concretização de objetivos e metas das escolas. Saliento a mais-valia que as ONG podem ter na consciencialização e comprometimento de uma cidadania global critica e responsável no campo educativo, através de ações lúdico-pedagógicas, ações de sensibilização, palestras, etc. onde haja uma intervenção dinâmica e responsável.


6. A Associação Nacional de Professores sendo uma organização profissional de docentes à margem dos sindicatos tem sempre uma palavra a dizer.
Quais pensa serem os desafios que a ANP irá enfrentar no futuro?

Continuar a ser o que tem sido, inequivocamente uma instituição ao serviço dos professores e com responsabilidades no tecido educativo português. Pautar-se pela defesa de uma educação de excelência, onde professores, alunos, pais e sociedade civil, em geral, se revejam em boas práticas educativas. Concretizarmos um código deontológico da profissão, ou seja a autorregulação da profissão docente.